domingo, 5 de setembro de 2021

Ex-estranhos de Paulo Leminski


 Leminski, curitibano, virginiano, poeta, escritor, tradutor. Viveu 45 anos e morreu muito jovem, de cirrose hepática. No meio deste resumo curtíssimo e que com certeza não o traduz em nada, vivia e escrevia com uma intensidade tal que tornou muito maior sua passagem pelo planeta.
Traduziu seus sentimentos de amor, dor, alegria e ansiedade de uma maneira tal que reflete, como um espelho, sentimentos de muitos, e isto o torna de certo modo eterno. Paulo vive nas músicas que fizeram a partir de seus poemas, nos haicais que lemos sem querer por aí, às vezes sem nem saber que são dele.
E nos reconhecemos, e é sempre muito bonito ver alguém que transforma angústia em arte. Porque torna possíveis, quem sabe, outras transformações. A poesia sempre vai ser um alento e felizes aqueles que conseguem perceber isso. 

Texto de Ademir Assunção, sobre os últimos poemas (e tempos) de Paulo Leminski
http://www.elsonfroes.com.br/kamiquase/ensaio7.htm
Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

“Um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegasse atrasado
andasse mais adiante
carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser minha última obra”